3,2,1. Você ta em cena, sorria.

Letícia Moreira
3 min readOct 8, 2021

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A criança ferida em mim me impulsiona a fazer escolhas não tão assertivas assim, eu diria mais, a adolescente machucada em mim me inclina a lugares ocos.

Um clique, um flahs, posição, ângulo, lingerie, maquiagem. Ta em cena, faz pose, faz carão. Ta em cena presta atenção, olha a luz, vai pra onde está quente, sente o foco, o foco sobre mim, sobre meu corpo, se movimenta, não erra o ritmo, você está em cena. o público aplaude, um sorriso no rosto. Satisfação.

A luz apaga, a ribalta sobe. o espetáculo acabou, troca uma ideia com o parceiro de cena, tira a maquiagem, deixa o personagem na dramaturgia. Coloca a roupa cotidiana, desfaz da pele de atriz, desfaz da pele do momento, talvez eu esqueça sem querer alguma coisa no camarim, mas não é de propósito.

Um transporte pra casa, eu gosto de ir de moto, sinto a liberdade se presentificar no meu corpo todo e o vento performa comigo uma dança meio sem precisão. Sou inteira, o que pra trás fica, não é concreto, a arte efêmera do teatro morre no palco. Em casa não sou atriz, não perfomo, não tem figurino sob medida pra um rito especifico. Leio um livro, questiono minhas escolhas, finjo não me importar- é que é cool ser assim meio blasé né, aprendi assim.. mas ao mesmo tempo acho tão zzzzz, meu lado aquariana até gosta de certa distancia, mas não to apostando corrida pra tanta distância assim… eu gosto de estar em cena, realmente gosto mesmo, só que tem espetáculos que não deixam muitas lembranças, como se eles fossem um flash borrado que passa pela retina num piscar de cílios. Prefiro colecionar lembranças.

Cenas que vão além do palco.

e perpassam na memoria com um rastro de afetividade que não se limita ao rito da cena, da troca efusiva permeada de luzes, calor, sincronia. Dos afetos que atinge ao público rememorando espetáculo que embora arte do agora, cola na memória, vai além do jogo. Jogar até é interessante mas chega num ponto que cansa, pra que tantos jogos e entrelinhas se o dito e o escrito em linha é reta é um jogo tão mais real, sem disfarces, sem camadas, sem regras… talvez a adolescente machucada em mim em algum lugar acredite que eu preciso estar sempre num game, quanto mais desinteresse melhor pro desenvolvimento da cena, porque aí a experiência cênica flui melhor. é to cansada.

a menina ferida em mim precisa aprender que conforto e bem estar não são negociáveis com apenas “o que da no momento”. Tem performance de no máximo três vezes que valem a pena? Acho que só teve uma exceção,isso porque essa apresentação só estava de passagem na cidade, de resto sempre me senti muito mal. O game cansa, ou é ou não é, nesse lugar borrado do é às vezes, é muito menos que mereço e tem um tempo que sei disso muito bem.

O lugar do ser não quer dizer que implica permanência, contrato social implica somente um olhar atento para além do espetáculo, e o lugar do às vezes implica somente luzes, flashs, foco de luz, movimento, ritmo, pose, carão.

Não me satisfaz depois do espetáculo e o durante não é suficiente pra querer repetir mais de três vezes, às vezes até três vezes é muito, a desvalorização não vale a pena. Sei me manter em equilíbrio sem pretextos.

o olhar do outro me validando como um momento e nada, nada além. Nem mesmo uma cerveja no fim do dia assistindo ao por do sol.

enrola a coluna,respira pelo diafragma, não vale a pena, desenrola de 1 até 10. voce ta carente, ta em numa nova cidade, sobe em plano alto. anda pelo espaço. Foco. A criança ferida em mim precisa de atenção, a adolescente em mim precisa saber que cool é ser admirada, partilhar, dar risada, games não são tão interessantes asism quando se passa dos 20.

3.2,1; Cena, foco, dessa vez não pode passar. Cure a criança a e menina que há em voce, 3,2,1. Concentra, voce é meio nômade, alma cigana, coração viajante, mas isso não é pretextos pra se contentar com tão pouco, quase nada.

3,2,1 bora pro palco, mas não esquece o jogo fora de cena, não vale a pena.

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Letícia Moreira

Artista de alma livre, sonhadora. Escreve no fazia poesia