Letícia Moreira
1 min readApr 20, 2021

A casa respira

Me misturo aos móveis, encosto na parede, escuto as infiltrações, cálculo meus movimentos, exasperados, descompassados. Morar nesse espaço aperta. O ar circula pelos pulmões ansiando algo a mais, súplica outro movimento além do habitual — a dança entre a sala a cozinha- o alho dourando no óleo- a coreografia da louça na pia. Os ritos diários, tão necessários, a mente divaga enquanto o tempo incorpora na panela. E o corpo carece de atenção.

Limito meus passos ao cotidiano tão habitual que me veste muito bem, a casa conversa entre sussuros e confissões as paredes cochicham ao meu ouvido que elas também cansam, é tanta mobília inútil. Olho para dentro, é tanta coisa sem utilidade agarrada ao mofo antigo, impregnado a quinquilharia silenciosa- que ocupa tanto espaço-. A casa tem história… Carrega em si o tempo, as lembranças e histórias partilhadas a mesa, casa gesta, pari e entre seios invisíveis nutre, a casa se movimenta inconstante, se desdobrando.

A casa tem uma respiração pesada de quem relembra que não habitou ali sozinha, a casa transpira pelos poros implorando, e sentido o gosto suave, quase que em delírios febris daquilo que ela costumava chamar de liberdade. A casa escuta o que ninguém parece ouvir, e num mergulho dentro de si entende que precisa de reforma, de outro olhar. Libertar a casa vai além que posso fazer, ensaio por as chaves a porta, tento girar, tenciono as mãos, giro a maçaneta, ponho os pés para fora, será que agora ela respira?

Letícia Moreira

Artista de alma livre, sonhadora. Escreve no fazia poesia