caçando além do muro

Letícia Moreira
2 min readJul 14, 2021

--

O cheiro que antecede a caça, o cheiro que ta no tato de tudo aquilo que remexe entre sangue, água e tinta. o que pulsa por dentro se faz presente ali no chão de barro, enlameado os demônios que dormem em silêncio e talvez num sopro tenham sido acordados pela mistura de água, sangue e tinta. De repente resolveram por as mãos para fora e também tatear o chão junto a mim… e num sussurso insinuam que talvez tenha sido eu e não eles que dormi por todo esse tempo, ainda que contra minha vontade.

e agora é a hora de ir para fora, é agora o momento de escalar os muros.

num impulse no meio do impasse a porta se abre, os demonicos recém acordados fogem a luz e no meio da fuga eu me restituo. talvez seja hora de sair também de me desvencilhar da poeira e do escuro que encontro nesse casulo, as cordas no tornozelo marcam sua posse, seu lugar. minhas mãos insistem em desbravar cada milimetro do solo de barro ignoram qualquer cordas que queiram intimidar, sempre estiveram ali. só que agora é hora de escalonar os limites e quem sabe por mais que os olhos no muro.

as questões borbulham no limite da tinta e do sangue, é hora de tirar tudo de dentro

as cordas nos tornozelos, o roxo nas costas o cinza nos ombros marcavam o invisível onde dormia dentro do casula cheio de poeira, sem luz é difícil por o corpo em movimento, por o corpo para fora do muro com as costas pendendo pra baixo em eterna constância. A água me encarando passa pela ponta dos dedos, pelos braços e pelo corpo inteiro conduzindo ao ralo tudo aquilo que o corpo expeliu.

ainda sinto o cheiro o instinto, fecho os olhos imagino tudo que há do lado de fora do muro. encaro o tornozelo, talvez minhas mãos ainda saibam bem a coreografa.

--

--

Letícia Moreira

Artista de alma livre, sonhadora. Escreve no fazia poesia